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Precisamos mesmo reduzir o consumo de sal? Cientistas discordam

Reprodução/bedbugsupply
Imagem: Reprodução/bedbugsupply

Paula Moura

Do UOL, em São Paulo

15/05/2017 04h00

Todos devem reduzir o sal para evitar desenvolver pressão alta e doenças cardiovasculares, certo? Não, apontam alguns cientistas. E mais: uma redução abaixo de 2g de sódio ou 5g de sal na verdade aumentaria o risco de mortalidade, segundo seus estudos.

Mas a ingestão de sódio recomendada por órgãos de saúde como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e pelo Ministério da Saúde é de 2g de sódio por dia - uma colher de chá. Bem-vindo à controvérsia do sal.

Aumento de mortalidade

Uma meta-análise, ou seja, uma síntese de pesquisas anteriores sobre o tema, divulgada na revista Lancet em 2016 mostra que, ao contrário de fazer bem, uma redução abaixo de 2,3 g de sal por pessoas com pressão normal pode prejudicar a saúde porque eleva os níveis de hormônios reguladores do sal (renina e aldosterona), hormônios do estresse (epinefrina e norepinefrina) e lipídios (colesterol e triglicérides).

Esses hormônios aumentam a pressão arterial e neutralizam o efeito da redução de consumo de sódio. “Essa é provavelmente a razão por que indivíduos que consomem abaixo de 2,3 g sódio têm uma mortalidade maior do que pessoas que consomem uma quantidade considerada normal de sódio”, diz Niels Graudal, pesquisador do Hospital Universitário de Copenhagen, na Dinamarca.

Ele coordenou uma revisão de 185 estudos publicada neste ano no jornal Cochrane. A pesquisa mostrou que a redução da ingestão de sódio por pessoas com pressão arterial normal resultou em uma diminuição da pressão menor que 1/0 mmHg. “Não é possível esperar qualquer benefício de uma redução tão pequena”, diz o médico.

No caso de hipertensos, a revisão da equipe de Graudal mostrou que a redução é de 5/3 mmHg da pressão arterial, o que ele também considera pouco.

Os efeitos do sódio são muito menores do que são assumidos pelos que recomendam sua redução”

Niels Graudal, pesquisador do Hospital Universitário de Copenhagen

 “Esses efeitos pequenos só podem ser detectados em estudos em grandes populações e esses estudos mostram o que o consumo baixo de sódio não é benéfico, mas prejudicial tendo a pessoas hipertensão ou não”, defende.

Qual seria o “novo” normal?

Se na meta-análise o consumo abaixo de 2,3 g de sódio (5g de sal) representou aumento de mortes e portanto foi considerado prejudicial à saúde para pessoas com pressão normal e até para indivíduos com hipertensão, qual seria o normal?

Para pessoas com pressão normal, não foi possível identificar um limite máximo saudável de ingestão de sal no estudo da Lancet, o que significa que é maior que 6g de sódio (15 g de sal), avalia o médico europeu. 

Já para hipertensos, a ingestão acima de 6 g de sódio (15g de sal) por dia foi prejudicial. “O verdadeiro limite benéfico para pessoas com hipertensão provavelmente está entre 2g e 6g de sódio”, diz Graudal.

O consumo médio de sal do brasileiro é de 12g diárias, segundo o Ministério da Saúde. Se os estudos estiverem corretos, o brasileiro está dentro do saudável.

Andreas Kalogeropoulos, professor da Universidade Stony Brook, nos Estados Unidos, publicou em 2015 um estudo no jornal JAMA Internal Medicine sobre os efeitos do consumo de sal sobre a mortalidade, doenças cardíacas e insuficiência cardíaca em pacientes entre 71 e 80 anos. O resultado foi também foi que uma redução abaixo de 6g de sódio não reduziu os riscos. 

“Não há dúvida de que um consumo alto de sódio (12g ou 2 colheres de sopa de sal por dia) está associado ao desenvolvimento da hipertensão e outros efeitos nocivos à saúde”, diz. “No entanto, para pessoas que consomem moderadamente (6g de sódio ou uma colher de sopa de sal por dia) não há evidências de que a redução dessa quantidade traria benefícios”.

O efeito do sódio no organismo segue um gráfico em “U” ou “J”, explica João Gabriel Marques, mestre em nutrição pela UnB (Universidade de Brasília). Ou seja, há mais mortalidade nos extremos do consumo: abaixo de 5g de sal e acima de 15g. Se fosse uma relação linear, “quem consome 7g deveria ter risco maior que quem consome 6g”, mas não é o que ocorre.

Produtos industrializados

“Mesmo assim, ainda é uma associação, não podemos dizer que é uma relação de causa e efeito porque não foi controlada a quantidade exata do consumo nem outros fatores”, afirma Marques. Entre esses fatores, está a alimentação como um todo e hábitos como exercícios, fumar etc.

“Se você está consumindo sódio em excesso, tem grande chance de estar consumindo produtos industrializados em excesso e de que sua alimentação como um todo seja pior para a sua saúde”, completa o nutricionista.

Marcus Malachias, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, recomenda os parâmetros da OMS, mas avalia que poucas populações conseguem segui-la por causa da presença de produtos processados, que contém quantidades grandes de sódio.

O sal existe naturalmente nos alimentos e faz parte da nossa vida. Os alimentos da natureza como frutas, carnes, e legumes já contêm sal”

Marcus Malachias, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia

Se comesse apenas alimentos in natura, comeria um grama de sódio. Para comer 2g de sódio, os alimentos in natura, nenhum alimento industrializado e adicionar um sachê de sal (1 g).

Mesmo os alimentos minimamente processados já contêm mais do que isso. O sódio pode estar presente, por exemplo, como bicarbonato de sódio, entre outros tipos de combinações de sódio.

“O saleiro costuma ser entre 20% e 25% do sal que a gente consome. Tirando a porcentagem do alimento in natura, 75% já está no alimento pronto ou semipronto. Os campeões são os temperos e molhos prontos”, diz Malachias.

Como o sal influencia a pressão arterial?

O sal age em dois mecanismos. Por um lado, faz o organismo reter mais água, O volume de sangue aumenta e a pressão dentro do vaso fica maior.

O sal também penetra na parede do vaso e hipertrofia essa parede, deixa-a mais grossa. A parte interna fica menor e aumenta a pressão.

Sal rosa, marinho e light são melhores?

Do ponto de vista fisiológico sal é sal, mas o gosto pode ser diferente devido a outras substâncias presente em cada tipo de sal, diz Graudal, da Dinamarca.
No entanto, essas substâncias diferentes presente em cada sal apenas dão sabor, não existem em quantidades suficientes para fazer diferença do ponto de vista nutricional, afirmam os especialistas ouvidos pelo UOL.

Já o sal light tem diferentes percentuais de cloreto de potássio misturado com cloreto de sódio ou até 100% de cloreto de potássio. Mas o potássio não deve ser usado por pessoas com problemas renais graves.

No Brasil, desde 1974 existe uma lei de que o sal vendido para o consumo humano deve ser iodado, não importa o tipo. A ingestão de iodo diária recomendada pela OMS é de 90 microgramas para crianças de 0 a 5 anos, 120 microgramas para crianças de 6 a 12 anos, 150 microgramas para adolescentes e adultos e 250 microgramas para gestantes e lactantes.

Desde 2013, a Anvisa determina que 1 kg de sal tenha de 15 mg a 45 mg de iodo. Segundo a OMS, a deficiência nutricional de Iodo é a causa mais comum e previnível de retardo mental e danos cerebrais do mundo.